domingo, 29 de setembro de 2013

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

                           Luís de Camões



Verdes são os campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

              Luís de Camões




Transforma-se o amador na cousa amada

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.


                   Luís de Camões




Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serão?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
ƒÉ bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

                  Luís de Camões




Busque Amor novas artes, novo engenho

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.

                         Luís de Camões





Enquanto quis Fortuna que tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co'o tormento,
Para que seus enganos não disesse

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.

                             Luís de Camões





Tomou-me vossa vista soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar que quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Cuidei de me salvar, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.

Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.

Que posto que estivesse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória;
Maior a levo eu de ser vencido.

                          Luís de Camões





Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

                          Luís de Camões





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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Tempestade Noturna
Noite alta,
na soçobrante Nau exposta aos quatro ventos,
em pleno céu sulcado de relâmpagos,
os marinheiros mortos trovejam palavrões.
Ó velhos marinheiros meus avós…
para eles ainda não terminou a espantosa Era dos Descobrimentos!
Santa Bárbara
e São Jerônimo,
transidos de divino amor,
escutam suas pragas como orações.
Quando eu acordar amanhã, livre e liberto como uma asa,
vou rezar a São Jerônimo
vou rezar a Santa Bárbara
por este nosso fim de século – pobre Nau perdida no nevoeiro -
que em vão busca o rumo
das eternas, das misteriosas Américas ainda por descobrir!
( Mario Quintana )
(Poema publicado originalmente no livro Baú de Espantos, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 579 conferido e digitado por mim mesmo em 24/06/2012.)


Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
( Mario Quintana )
(Poema publicado originalmente no livro Esconderijos do Tempo, conferido e digitado por mim mesmo de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 479)



Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!
( Augusto dos Anjos )




Ao Luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…
Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
( Augusto dos Anjos )



A Obsessão do Sangue
Acordou, vendo sangue… – Horrível! O osso
Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!
Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão …
E amou, com um berro bárbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!
( Augusto dos Anjos )

domingo, 22 de setembro de 2013

HELENA KOLODY(1912 — 2004)
Nasceu em Cruz Machado (PR), em 12 de outubro de 1912, e faleceu em Curitiba (PR), em 15 de fevereiro de 2004. Seus pais nasceram na Galícia Oriental, Ucrânia, mas se conheceram no Brasil, onde se casaram em janeiro de 1912. Passou a maior parte da infância em Três Barras. Foi professora do ensino médio e inspetora de escola pública. De 1928 a 1931, cursa a Escola Normal Secundária (atual Instituto de Educação do Paraná). Consta que foi a primeira mulher a publicar hai-kais no Brasil (1941).  Foi admirada por poetas como Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski, sendo que, com esse último, teve uma grande relação de amizade.  A partir de 1985, quando recebe o Diploma de Mérito Literário da Prefeitura de Curitiba, a sua obra passou a ter grande repercussão no seu estado e no restante do País. Em 1988,  é criado o importante Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody", realizado anualmente pela Secretaria da Cultura do Paraná. Em 1989, o Museu da Imagem e do Som do Paraná grava e publica um seu depoimento. Em 1991, é eleita para a Academia Paranaense de Letras. Em 1992, o cineasta Sylvio Back faz  filme "A Babel de Luz" em homenageia aos seus 80 anos, tendo recebido o prêmio de melhor curta e melhor montagem, do 25° Festival de Brasília. E, 2003, recebe o título de "Doutora Honoris Causa" pela Universidade Federal do Paraná.  
Bibliografia: Paisagem Interior (1941), edição da autora; Música Submersa (1945), edição da autora; A sombra no rio (1951), edição da Escola Técnica do Paraná; Poesias Completas (1962), edição da Escola de aprendizagem do SENAI; Vida Breve (1965), edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Era Espacial e Trilha Sonora (1966), edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Antologia Poética (1967), Gráfica Vicentina; Tempo (1970), edição da Escola de Aprendizagem do SENAI; Correnteza (1977, seleção de poemas publicados até esta data), Editora Lítero-Técnica; Infinito Presente (1980), Gráfica Repro-SET; Poesias Escolhidas (1983, traduções de seus poemas para o ucraniano), Tipografia Prudentópolis; Sempre Palavra (1985), Criar Edições; Poesia Mínima (1986), Criar Edições; Viagem no Espelho (1988, reunião de vários livros já publicados), Criar Edições; Ontem, Agora (1991), Secretaria de Estado da Cultura do Paraná; Reika (1993), Fundação Cultural de Curitiba; Sempre Poesia (1994, antologia poética); Caixinha de Música (1996); Luz Infinita (1997, edição bilíngüe); Sinfonia da Vida (1997, antologia poética com depoimentos da poetisa); Helena Kolody por Helena Kolody (1997, CD gravado para a coleção Poesia Falada); Poemas do Amor Impossível (2002, antologia poética); Memórias de Nhá Mariquinha (2002, obra em prosa); Viagem no Espelho (1995), Editora da Universidade Federal do Paraná. 
Na minha infância conheci já moça a professora cujos olhos azuis irradiavam a ternura de uma  eterna amiga. Mais tarde vim a perceber sua visão amorosa refletida em seus poemas, sínteses de suas idéias poéticas. Contemplando uma rosa sobre o muro, animava-a, sua visão era a de que a rosa estava sonhando. Na reflexão sobre o tempo, via -o como um mar que se alarga. Numa viagem de encontro ao sol, uma eterna madrugada. Helena Kolody é prova da visão amorosa do artista. Poesia pura, através de imagens de enlevo, doçura,  sentimentos, amor sublimado,  Helena descortina o belo e o bem no mundo.
Noel Nascimento







O DOM DE SONHAR

 A esperança engana.
Mente o sonho.
Eu sei.
Que mentiras lindas
eu mesma inventei
e contei pra mim...

SIGNIFICADO

No poema
e nas nuvens,
cada qual descobre
o que deseja ver.


DIPLOMACIA

Talento e astúcia requer
a perícia consumada
de falar sem dizer nada,
quando não há nada a dizer.


QUANDO?
Vai o barco à deriva
e se afasta do cais.

Quando se soltaram as amarras
para nunca mais?




         Publicada em agosto 2007; Página ampliada e republicada em junho de 2008; ampliada e republicada em janeiro de 2009.


HELENA KOLODY     
                                    



AREIA

Da estátua de areia,
nada restará,
depois da maré cheia.


HAI-KAIS

Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
que há pouco chorou.

Trêmula gota de orvalho
Presa na teia de aranha,
Rebrilhando como estrela.

Festa das Lanternas!
Os ipês estão luzindo
De globos cor-de-ouro.

Corrida no parque.
O menino inválido
aplaude os atletas.

Nas flores do cardo,
leve poeira de orvalho.
Manhã no deserto.

O brilho da lâmpada,
no interior da morada,
empalidece as estrelas.

A morte desgoverna a vida.
Hoje sou mais velha
que meu pai.


ANTES

Antes que desça a noite,
imprimir na retina
         os rostos amados,
                   o sol
         as cores,
o céu de outono
e os jardins da primavera.

Inundar de sons
         de vozes
e de música eterna
         os ouvidos
antes que os atinja
         a maré do silêncio.

Conquistar
os pontos culminantes
                   da vida,
         antes que se esgote
   o prazo de permanência
em seu território sagrado.


PÂNICO

Não há mais lugar no mundo.
Não há mais lugar.

Aranhas do medo
fiam ciladas no escuro

Nos longes, pesam tormentas.
Rolam soturnos ribombos.

Súbito,
precipita-se nos desfiladeiros
a vida em pânico.


LIMIAR

I
Da soturna jornada
Pelas brumosas sendas
Da anestesia,
Não guardei memória.

Sou um pêndulo que oscila
Dos limites da vida
Aos limites da morte.

Rubros lobos me espreitam silentes,
Numa densa garoa vermelha
Que lateja no ritmo da febre.

Venho à tona, por segundos,
E volto ao limo do sono.

Da sede, brota em meu sonho uma fonte:
Água fria em chão de pedra.
No fundo, uma alga se espreguiça
E essa alga sou eu. 

II
Luminosa alegria de olhar!
De todos os lados, o apelo do verde,
Da vida verde e serena.
Aquele cipreste
Que gesticula e dança,
Acorda-me na lembrança
Reminiscências vegetais:
Pequenino fremir de relva
No dorso dos campos;
Altos pinheiros imóveis;
Floresta oceânica e múrmura.
Festivo apelo do verde,
da vida verde e serena.

Ventura elementar de estar ao sol,
Viva e sem dor.


FLAMA

Na flama divina
que em nós resplandece,
palpita a alegria
de ser para sempre.


ABISMAL

Meus olhos estão olhando
De muito longe, de muito longe,
Das infinitas distâncias
Dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo
Para você que está diante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria a sua face.


MAQUINOMEM

O homem esposou a máquina
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
e um dínamo no crânio.
As hemácias de seu sangue
são redondos algarismos.

Crescem cactos estatísticos
em seus abstratos jardins.

Exato planejamento,
a vida do maquinomem.
Trepidam as engrenagens
no esforço das realizações.

Em seu íntimo ignorado,
há uma estranha prisioneira,
cujos gritos estremecem
a metálica estrutura;
há reflexos flamejantes
de uma luz imponderável
que perturbam a frieza
do blindado maquinomem.


EXILADOS

Ensimesmados,
olham a vida
como exilados
fitando o mar.

Não estão no mundo
como quem o habita.
Estão de visita
num planeta estranho.


TRANSEUNTES

Transeuntes
da vida provisória:
que rumor de asas eternas
para além das fronteiras e dos símbolos!


OSCILAÇÃO

A cada oscilar do pêndulo
algo se apaga
ou para nós termina.

De segundo em segundo,
algo germina
ou para nós floresce.


JOVEM

Suporta o peso do mundo. 
E resiste.

Protesta na praça.
Contesta.
Explode em aplausos.

Escreve recados
nos muros do tempo.
E assina.

Compete
no jogo incerto da vida.

Existe.


VOO CEGO

Em voo cego,
singro o nevoeiro.
Onde o radar que me guie?

Perco-me em labirintos interiores.
Que mistérios defendem
tantas portas seladas?

Quem me cifrou em enigmas?

  
FUGITIVO INSTANTE

Captar os seres
em seu fugitivo instante de beleza.




GRAFITE
1988

Meu nome,
desenho a giz
no muro de tempo.

Choveu,
sumiu.


ESPELHISMO
1988

Olhou numa poça d'água
e viu a mão estendida.

Alongou a própria destra,
num impulso de acolhida

Mas, a mão tocou em nada

Era, apenas, refletida
no espelho da água parada,
a sua mão estendida.


LOUCURA LÚCIDA
1988

Pairo, de súbito,
noutra dimensão

Alucina-me a poesia,
loucura lúcida.


MENTIRA
1988

Mentira que as rosas
Rosas são de veludo.
São da roseira, os espinhos.


ALEGRIA DE VIVER
1987

Amo a vida.
Fascina-me o mistério de existir.

Quero viver a magia
de cada instante,
embriagar-me de alegria.

Que importa a nuvem no horizonte,
chuva de amanhã?
Hoje o sol inunda o meu dia.


SEM AVISO
1988

Sem aviso,
o vento vira

uma página da vida


TERNURA-MENINA
1988

Saudade,
ternura-menina,
lua cheia sobre o mar.

Navego no seu quebranto,
sem vontade de voltar.

                   (De Reika, 1993)

HELENA KOLODY
TEMPO

Cai a areia da vida
Na ampulheta da morte.


ILHAS

Somos ilhas no mar desconhecido.

O grande mar nos une e nos separa.

Fala de longe o aceno leve das palmeiras.
Mensagens se alongam nas líquidas veredas.

Cada penhasco é tão sozinho e diferente!
Ninguém consegue partilhar a solidão.

Ilhas no grande mar, aprisionadas.
Apenas o perfil das outras ilhas, vemos.

Só Deus conhece nossa exata dimensão.


FIM DE JORNADA

Caminhar ao encontro da noite.
Como o camponês regressa ao lar.
Após um longo dia de verão.

Sem pressa ou cuidado.
Na tarde ouro e cinza.
Sozinho entre os campos lavrados.
E as colinas distantes.

Caminhar, ao encontro da noite.
Sem pressa ou cuidado.
A noite é somente uma pausa de sombra.
Entre um dia e outro dia.

                   (De Vida Breve, 1964)



ATAVISMO

Quando estou triste e só, e pensativa assim,
É a alma dos ancestrais que sofre e chora em

/mim.
A angústia secular de uma raça oprimida
Sobe da profndeza e turva a minha vida.

Certo, guardo latente e difusa em meu ser,
A remota lembrança dos dias amargos
Que eles viveram sem a ansiada liberdade.
Eu que amo tanto, tanto, os horizontes largos,
Lamento não ser águia ou condor, para voar
Até onde a força da asa alcance a me levar.
Ante a extensão agreste e verde da campina,
Não sei dizer por que, muitas vezes, senti
Saudade singular da estepe que não vi.

Pois, até o marulhar misterioso e sombrio
Da água escura a correr seu destino de rio,
Lembra, sem o querer, numa impressão falaz,
O soturno Dnipró, cantado por Taras...

Por isso é que eu surpreendo, em alta
/intensidade,
Acordada em meu sangue, a tara da saudade

                   (De Paisagem Interior, 1941)




KOLODY, Helena.  Caixinha de música.  Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1996.  Iv, 60 p.    15x21 cm.  Col. A.M.  (EA)